DATENA E OS ATEUS

Andei bisbilhotando as folhas virtuais e me dou ao desfrute de comentar notícia veiculada no JB online de hoje. Está lá que a Rede Bandeirantes foi condenada por críticas de José Luiz Datena aos ateus.

Lembro-me de que, certa vez, ao comentar sobre um crime bárbaro que um jovem cometera contra sua avó, Datena, esbravejando como de costume, disse que aquilo era movido por quem não tem Deus no coração. Para ele, era a única explicação para tamanha barbárie.

O motivo da condenação de agora, em processo movido pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão, tinha por base a apresentação da notícia da morte de um menino, em que Datena afirmou que “Um sujeito que é ateu não tem limites, e é por isso que a gente vê esses crimes aí”.

Há algum tempo, soube que certa associação dos ateus brasileiros já se tinha manifestado contra tais tipos de declaração de Datena, ameaçando, inclusive, de processá-lo.

Eu, como ateu, fico descrente diante desse fato. Em primeiro lugar, não me sinto agredido por Datena, ao falar suas bobagens no ar. Se chego a não acreditar em Deus, também não acredito no Datena, o que – convenhamos – é muito mais simples. E também não acredito em ateus que se reúnam em associação e transformam o ateísmo em uma espécie de religião. Se é para não acreditar, é para não acreditar. E não tenho de ter carteirinha que comprove que não creio.

Também não acredito que tal medida vá dar em nada. Datena terá de ler um pronunciamento preparado pelo procurador. Será isso sincero? Virá do fundo do coração do crente Datena? A partir daí, Datena considerará os ateus pessoas dignas de respeito ou crédito?

Apesar de ter sido religioso em minha juventude, fiquei ateu não porque quisesse. Não acordei um dia, de manhã, e disse: De agora em diante, serei ateu!

Ter fé ou não ter fé é uma questão de foro íntimo, se é que seja isso. Ou se acredita ou não se acredita.

E também o fato de se acreditar não garante o caráter do cidadão, embora isso seja previsto por todos os textos religiosos que se produzem. Assim como não ter nenhuma crença religiosa transforme a pessoa numa besta humana. Aliás, algumas bestas humanas famosas da humanidade criam em algum tipo de Deus. Vou citar apenas um, que não produzirá aqui nenhuma polêmica: Pedro, o Grande, czar do Império Russo. Já leram sua história? Pois então: era profundamente religioso e tão sanguinário, que matou seu próprio e amado filho com uma pancada na cabeça. Além de milhares de compatriotas seus, súditos seus.

O que temos visto pela história do homem é que, quanto mais religioso ele seja, mais problemas ele produz para os que não comunguem de suas ideias. São incontáveis os conflitos entre crentes de religiões diferentes, bem como de crentes de variações da mesma religião.

Católicos e protestantes, católicos e mulçumanos já se meterem fogo mutuamente. E, volta e meia, ainda se metem, por exemplo, na Irlanda do Norte, no Líbano, no Egito. Entre os muçulmanos, digladiam-se xiitas e sunitas modernamente. Até mesmo os tão incensados pacifistas budistas já se guerrearam no passado – os de manto amarelo, que tiveram de se retirar para a China por derrota, e os de manto vermelho, que mantiveram sua dominação temporal no Nepal e na Índia. Guerra mesmo na verdadeira acepção do termo, e não apenas de conceitos.

Tenho a impressão mesmo de que há muito mais mortos em nome de Deus pela história afora, do que em nome de nada.

Mas será engraçado ver Datena, com toda aquela sua empáfia e sua ira cidadã cenográfica, ler um comunicado em que desdirá o que disse e terá de fingir acreditar no que não acredita.

Vou ver se não perco. Mas também não creio nisso!

Datena, em caricatura de Moisés, premiada no Salão de Ribeirão Preto, 2010 (em humorseis.blogspot.com.br).